segunda-feira, 31 de agosto de 2009

QUANDO AS LUZES SE APAGAM O QUE FICA É A LEMBRANÇA

Quem hoje vê o Bulevar Arrudas em Belo Horizonte / Minas Gerais, mais precisamente no encontro da Rua dos Tupinambás com a Avenida dos Andradas, pode não lembrar de um dos piores acidentes envolvendo um ônibus coletivo, da linha 1505 – Alto dos Pinheiros / Tupi, que caiu no Ribeirão Arrudas deixando nove passageiros mortos e 52 feridos, neste mesmo local.
Segundo Assessoria do Corpo de Bombeiros, a maioria dos feridos, foram internados com fraturas e escoriações diversas. O ônibus caiu de uma altura de 12 metros, no dia 16 de julho de 1999.
O sargento Helton Rosa do Corpo de Bombeiros, relembra que ao chegar, no local, ficou espantando com o grande número de vítimas. Ele relata que juntamente com a equipe de resgate teve que agir rápido, a primeira medida foi imobilizar os feridos para depois transportá-los para fora do leito do Ribeirão Arrudas. O bombeiro alerta que quando as pessoas presenciarem qualquer tipo de acidente que haja vítimas é necessário ligar para 193 e informar o local do acidente, o número de vítimas aproximado e o tipo de veiculo envolvido.
O motorista José Paulino de Souza dirigia o ônibus da linha 1505 Altos dos Pinheiros / Tupi da "Viação Progresso Ltda”, que caiu no Bulevar Arrudas foi condenado em janeiro de 2004, a nove anos de detenção em regime semi-aberto. O Juiz do julgamento foi o magistrado José Dalai Rocha, da 6ª vara Criminal de Belo Horizonte. A pena foi registrada com o número de processo 024.99.113.774-6. O motorista ainda está foragido e aguardar cumprir mandato de prisão desde 30/01/2008, segundo o processo judicial.
As testemunhas disseram que o motorista avançou o sinal da Rua dos Tupinambás, para entrar na Avenida dos Andradas e foi atingido em sua lateral esquerda por um Fiat/Tempra que vinha pela Avenida, no sentido Praça da Estação - Santa Efigênia. Com o impacto, o ônibus desgovernou, rompendo o muro de proteção e caiu no Arrudas com as rodas para cima.
Segundo o juiz José Dalai Rocha, pessoas morreram de forma horrível: presas nas ferragens e sufocadas pelas águas de esgoto. Ele disse que "raramente um acidente de tamanhas proporções encontra provas tão evidentes e insuspeitas para esclarecê-lo", referindo-se aos depoimentos das pessoas, pedestres e motoristas que passavam pelo cruzamento na hora do acidente e aguardavam exatamente a sinalização para prosseguirem.
O laudo pericial relata que: "o ônibus estava em velocidade ascendente no momento do impacto, ou seja, o condutor da unidade não usou o mecanismo de freio nos momentos iminentes ao acidente".
O juiz concluiu que o motorista não observou as cautelas mínimas exigidas para o exercício da profissão e "dezenas de famílias foram atingidas material e psicologicamente para todo o resto de suas vidas".
O engenheiro mecânico Maurício Marcatti Ferri, afirma que “a falha mecânica pode existir sim. Em uma situação como a descrita, em que houve o choque lateral de outro veículo promovendo a alteração de trajetória, o condutor do veículo atingido tende a acertar o rumo. Neste momento o sistema de direção é solicitado e deve responder de imediato ao comando. Porém o sistema de direção dos veículos possui diversos pontos de articulação, que podem apresentar folgas, e que, somadas tornam a condução de qualquer veículo insegura. O condutor deve possuir maior habilidade e rapidez na direção para compensar o atraso do sistema devido às folgas”, disse.
Segundo Maurício Marcatti Ferri, a outra possibilidade que pode ocorrer e que não foram relatadas no histórico, são as quebras de componentes do sistema de direção e de suspensão causados por fadiga de material, que tem como causa a aplicação contínua de esforços acima da tensão de trabalho para as peças. A ruptura de peças por fadiga pode ter como agravantes falhas no projeto de montagem e de esforços submetidos à peça pelo seu uso inadequado.
O engenheiro Marcatti, alerta que é bom fazer uma manutenção adequada e com periodicidade ajustada às condições de utilização do veículo no qual reduz a possibilidade de falhas mecânicas.
Com o casamento marcado Eudiléia Lopes Figueiredo, de 32 anos, que era estilista e pintora, foi uma das vítimas fatais neste grave acidente.
Eudiléia iria se casar em dezembro de 1999 e estava preparando o enxoval, mas o dia do acidente foi o fim de seus sonhos, de se casar e ter filhos. A mãe de Eudiléia a costureira Jonilde Lopes Figueiredo disse que ficou sabendo da morte da filha através da televisão.
Jonilde relata que viu o corpo da filha sendo retirado do leito do Ribeirão Arrudas através das imagens transmitidas pela TV e que naquele mesmo momento sua televisão queimou. Seus filhos disseram que não era a Eudiléia, mas ela reconheceu a filha pela TV. No dia do acidente, Eudiléia tinha saído mais cedo do trabalho e estava indo para sua casa.
No momento que reconheceu o corpo, Jonilde afirmou que o mundo parecia ter acabado para ela. Conta, que os documentos da filha desapareceram e teve que tirar as segundas vias no Espírito Santo, estado no qual Eudiléia nasceu. Para conseguir que a filha não fosse sepultada como indigente.
Jonilde conta que a família e os colegas de trabalho da filha ficaram muito abalados com a morte da jovem e que a família foi indenizada, após fazer um acordo com os advogados da empresa de ônibus.
Ela afirma que os anos se passaram, mas que senti muita saudade da filha: “nunca vou esquecer, essa perca nunca não vai ser superada”, afirma Jonilde Lopes, que colocou fotos do trabalho de sua filha na parede de sua casa, um jarro e duas mãos, a mão da filha sobre a do noivo, uma recordação de seu belo trabalho, ressalta.
De acordo com Jonilde Lopes, a filha era muito amorosa e muito querida por todas as pessoas que a conhecia, adorava crianças, viajava bastante e não perdia as festas de fim de ano com a família.
Pessoas como a dona de casa Odília de Oliveira, avó de uma das vítimas, também relembra muito emocionada o acidente em que faleceu o neto Welinton Souza de Oliveira, de 23 anos. Ela disse que ele tinha um sonho e uma vida que foi interrompida no dia 16 de julho de 1999. Welinton ia ser pai do primeiro filho e que na época sua esposa estava grávida de dois meses. Hoje a criança está com nove anos e não teve a oportunidade de conhecer o pai.
Odília de Oliveira afirma que ficou sabendo da morte do neto através da televisão. Ela estava assistindo a TV, quando foi noticiada a lista dos passageiros sobreviventes e os que faleceram no local. Quando recebeu aquela notícia, ela disse que ficou em estado de choque e péssima.
Segundo Odília de Oliveira, a família já foi indenizada. Quase 10 anos depois da tragédia, Odília, lembra com tristeza a morte do neto. Ela disse que não tem rancor do motorista, o que tiver de acontecer acontece, “essa é a cruel realidade da vida”.
A babá Rosângela Moreira da Silva, 43 anos, foi uma das pessoas que sobreviveram ao acidente. Ela disse que, quando o ônibus caiu dentro do Ribeirão Arrudas, estava cochilando e acordou com o barulho, então percebeu que era acidente.
Rosângela comenta que procurou sair de dentro do coletivo e ajudou a socorrer algumas pessoas que estavam próximo dela. Ela disse que machucou pouco e não teve seqüelas. Rosângela afirma que a Viação Progresso, ofereceu assistência médica e farmacêutica.
A Babá afirmou que não guarda nenhum rancor em relação ao motorista. E argumentou que após o acidente, sua vida teve mudanças “durante algum tempo fiquei assustada quando estava em algum ônibus”, mas ela disse que este trauma já passou. Hoje ela não lembra do acidente, exceto quando é a data do acidente.
Segundo ela, não houve necessidade de processar a empresa de ônibus, tudo que reivindicou foi atendida, incluindo a indenização. Rosângela alerta as pessoas que podem ser vítimas de acidente. Ela disse que durante o acidente as pessoas devem procurar manter a calma e quanto aos seus direitos e fazer valer a Lei e buscar informação “O principal é fazer garantir o seu tratamento médico de forma completa” ressalta Rosângela.
O motorista Reinaldo Jardim dos Santos, na época era amigo do ex - motorista José Paulino de Souza, que estava dirigindo o ônibus 1505 no momento do acidente. Trabalhava na mesma empresa, Viação Progresso, disse que conhecia José Paulino, a mais de um ano.
Reinaldo disse que José Paulino se relacionava bem com os colegas de trabalho. Para ele, o ex - motorista era uma pessoa bacana. Segundo Reinaldo, José Paulino trabalhou cinco anos na empresa do coletivo antes de ser demitido. Reinaldo afirmou que José Paulino tinha bastante experiência como motorista. Ele disse que José Paulino era considerado pelos colegas de trabalho um bom motorista.
Segundo Reinaldo, no mês no qual aconteceu o acidente José Paulino, estava de férias, um dia depois após voltar das férias, aconteceu á tragédia. O motorista afirmou que José Paulino, ficou arrasado e teve problemas psicológicos e nunca mais foi visto no Bairro Tupi onde os sobreviventes moram. Reinaldo disse que após o acidente também não viu ele mais.
Segundo a psicóloga Pakisa Araújo Novais, esse tipo de acidente, “afeta os familiares e os amigos de uma maneira totalmente inesperada, com o susto, a falta de explicação, a ausência da pessoa querida” disse. Até mesmo o sobrevivente pode ter graves seqüelas. As pessoas que sofreram o acidente podem adoecer mais rápido ou até mesmo falecer por causa do sofrimento.
Pakisa Araújo disse que as pessoas que são bem equilibradas emocionalmente vão sofrer, mas não chegam a ficar doentes. Pakisa afirma que é uma experiência marcante do ponto de visto negativo, porque as pessoas podem até ficar com medo de andar de ônibus novamente. Para ela, cada um tem um tempo, “esquecer acho que não, amenizar o sofrimento sim”, diz. A psicóloga alerta que há como minimizar os efeitos dessa dor “hoje existem grupos especiais de psicólogos, médicos, psicoterapeutas que vão buscar alternativas na própria ciência para diminuir a dor dos familiares”.
Pakisa Araújo afirma que existe o grupo de alta ajuda. Cada pessoa testemunha sua dor e cada um doa o que tem e se completa com experiências e palavras de encorajamento para enfrentar a situação com equilíbrio e racionalmente.
Em casos individuais a psicóloga disse que é melhor recorrer a uma clínica de psicoterapia de intervenção, para auxiliar na recuperação da saúde do individuo.



Repórter: Gleide Glória dos Santos

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